17 de novembro de 2009

Criança deve perceber, e não só repetir, as notas musicais

Artigo da Folha Online de 30/09/2005

DENISE RIBEIRO

Colaboração para a Folha

Entrar em contato com a própria voz, para perceber suas diferentes modulações, reproduzir o pulso de um tambor e diferentes ritmos. Tudo isso, uma criança a partir de três anos consegue fazer, desde que seja estimulada a ouvir.

Aprender a ouvir é, na opinião de especialistas, a principal habilidade requerida para aumentar a afinidade com a música. E isso até um bebê pode fazer. "A melhor música para os ouvidos dele é aquela emitida ao vivo por uma voz que o ama. O próprio bebê gosta de cantar e, para acompanhar seu canto, damos a ele um chocalho", analisa Paulo Tatit, músico, pesquisador e responsável, ao lado de Sandra Peres pelo selo Palavra Cantada, um dos mais importantes produtores brasileiros de música infantil.

Outro expert no assunto, o músico, pesquisador e compositor Hélio Ziskind, diz que os pais devem incentivar as crianças que se interessem pela música a aprofundar esse conhecimento. "Mas aula de música só funciona quando se trabalha a percepção. O canto, por exemplo, ajuda na dicção, a criança tem de colocar notas, aprende a se expressar melhor e se sente inserida, conectada instantaneamente com a cultura", diz Hélio.

Da mesma forma, aprender a batucar, a sustentar um pulso, faz com que a criança se sinta mais forte. "Controlar essa potência sonora é uma experiência interna altamente estruturante, porque ela percebe que consegue criar com a mão um universo", analisa o músico.

Trabalhar a percepção, em vez de apostar na repetição mecânica de um ritmo ou de uma escala musical, traz resultados mais sólidos para a formação musical da criança. É o que demonstra a experiência da pianista, pesquisadora e professora Teca Alencar de Brito, que trabalha há 32 anos com educação musical, em São Paulo, e foi aluna e colaboradora do mestre Koellreutter (flautista e compositor alemão que desembarcou no Brasil em 1937 e influenciou gerações de músicos com suas teorias experimentalistas. Hoje ele tem 90 anos).

"Ao escutar e produzir sons, a criança integra sensibilidade e intelecto, corpo e mente, além de estimular a intuição, a fantasia, a criatividade, a reflexão, o relacionamento", ensina a professora, que trabalha com crianças a partir de três anos, sempre em grupos.

"As bandinhas de amigos são um canal de expressão socializador, a criança vai se soltando por meio de uma linguagem não-verbal. No grupo, elas aprendem a ouvir, a respeitar o outro, a esperar, a dar idéias para arranjos. Aprendem que música não é barulho, é organização, e aprendem também a importância do silêncio", argumenta.

De acordo com Teca, uma aula de instrumento musical, como o piano, por exemplo, é importante, desde que haja espaço para o improviso, para explorar o instrumento. "A criança não precisa saber onde fica o dó, mas percebe que pode tocar sons em blocos, mais graves, mais agudos, mais fortes, mais fracos. Com o tempo ela vai afinando seu senso de observação de escuta e entende que existe uma ordem natural das notas", explica.

Da mesma forma, a compra do primeiro instrumento musical deve ser cuidadosa. "O melhor é optar por instrumentos artesanais de percussão ou xilofone, que ajuda a entender a afinação da escala. Mas tem de ficar atento à qualidade. Tem muito tamborzinho, pandeirinho (como o do Gugu), descartável e algumas baterias para criança de péssima qualidade sonora: o som do prato é uma deseducação musical", alerta a especialista.

Os pesquisadores só pedem cuidado com a flauta doce, uma praga que se espalhou pelo mundo infantil, vindo das escolas tradicionais. Para Hélio Ziskind, do ponto de vista da expressão, ela é frustrante e acaba virando um apito, "porque as crianças curtem isolar as notas". Na opinião dele, a culpa é do instrumento, difícil de tocar, pois depende de uma respiração muito sutil. "Um gaita responde melhore a esse gesto mais forte do sopro. É bom comprar um instrumento de verdade, um violino, uma viola ou um saxofone", aconselha o compositor.

Discoteca básica

Sugestões de músicas para crianças:

As crianças não precisam e não devem ficar limitadas à chamada música infantil, porque são inteligentes, receptivas e abertas a tudo, dizem os especialistas. "A música não pode convidar a criança para ir longe de si, tem de chamar para perto. Tudo o que não faz isso não é bom", exemplifica Hélio Ziskind, para quem ritmos como o axé e a lambada são "bacanas", mas pesam se levam a criança a se exibir e a se sensualizar demais.

No entanto, na batalha dos gostos as crianças participam e são elas que decidem o que preferem ouvir.

Na opinião de Teca, Mozart, Tom Jobim, Noel Rosa, Chico e Caetano também são adequadas às crianças, desde que haja bom senso na escolha. "Claro que uma criança de 5 anos não vai ouvir uma sinfonia inteira do (Gustav) Mahler, mas ela não tem de ouvir só música animadinha", diz a professora. Por outro lado, não podemos ser radicais e preconceituosos com certos ritmos populares aos quais as crianças inevitavelmente estarão expostas. Segundo Teca, "o importante é oferecer a elas outras variantes, produções de qualidade. Elas certamente vão gostar".


Confira no site Folhaonline, na continuação deste artigo, uma lista de CDs recomendados pelos pesquisadores e músicos Teca Alencar de Brito, Hélio Ziskind e a dupla Paulo Tatit e Sandra Peres.

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